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sexta-feira, 3 de junho de 2016

A Similaridade do Pensamento Estratégico de Tucídides e Sun Tzu nas Relações de Força da Antiguidade

Sun Tzu, general e estrategista nascido no Antigo Oriente em 544 a.C, e Tucídides, comandante grego, primeiro historiador e também primeiro crítico de relações internacionais da modernidade, nascido em 460 a.C, foram os responsáveis pela criação das técnicas daquilo que hoje chamamos de pensamento estratégico. A natureza desse pensamento era essencialmente dialética, pois, segundo eles, para que um ato atingisse a finalidade desejada era necessário antever as ações e reações do outro, confirmando assim a hipótese de que a guerra em qualquer lugar do mundo, em qualquer época, cultura ou sociedade, possui as mesmas semelhanças.

Através de uma análise da obra de Sun Tzu, "A Arte da Guerra", podemos estabelecer uma comparação com a obra de Tucídides, "A Guerra do Peloponeso", ao tentar explicar a forma pelo qual se deu essa antiga arte de calcular as relações de força nas respectivas sociedades de cada um.






Sun Tzu

Na obra de Sun Tzu, os territórios da China submetidos ao rei Wu, do qual Sun Tzu era súdito, preparavam-se para a guerra contra o rei Tchu. Esses territórios formavam exércitos permanentes com a introdução e a participação dos camponeses, desenvolvendo assim, uma casta de militares. As teorias estratégicas de Sun Tzu nasceram com o surgimento da guerra quando este, persuadido por sua capacidade e suas experiências bélicas, apresentou-se ao rei Wu, solicitando seu ingresso nas tropas após constatar que esta guerra seria de vital importância para o Estado e dela dependeria a conservação ou a ruína do império. Para Sun Tzu, o recurso da dissimulação fazia parte de uma de suas muitas estratégias para atingir o inimigo politicamente, antes de derrotá-lo militarmente. Para isso, era necessário infiltrar agentes e espiões com o propósito de sondar os planos do adversário, criar divergências entre os chefes, os subordinados, os súditos e a elite do campo inimigo, instigando a subversão com o propósito de provocar a desmoralização das autoridades opositoras. Sun Tzu entendia que o sucesso de sua missão dependia essencialmente de poder alcançar a vitória em um curto espaço de tempo, a fim de economizar recursos, exércitos, e também poupar o inimigo de perdas humanas, além do estritamente necessário.

A forma pelo qual o exército de Sun Tzu saiu vitorioso nesta relação de força, muito se assemelha com a obra de Tucídides, A Guerra do Peloponeso, que aponta como principal estratégia a disciplina bélica no processo do pensamento político e militar. De acordo com Sun Tzu, a arte da guerra era regida e determinada por cinco fatores primordiais, sendo que o primeiro deles era relativo ao líder. Esse líder representava a figura do general, chefe dos militares, responsável direto pelas tropas e com poder de decisão acima do monarca sobre os seus comandados. Segundo ele, o líder através de suas leis, regras morais e conduta, deveria estabelecer uma unidade de pensamento, ou seja, assim como pensava o governante, também deveria pensar o povo que seria capaz de viver e morrer por ele, transformando-se dessa forma em um povo guerreiro, intrépido e inquebrantável mesmo diante do infortúnio ou da morte. O líder deveria ter objetivo no comando de suas operações militares e estar ciente dos efeitos que se esperava obter ao final do conflito. Deveria saber calcular o tempo de batalha, pois de acordo com Sun Tzu, não era sábio promover um extenso combate, já que nenhum Estado poderia se beneficiar de um longo tempo de guerra. Ao líder cabia providenciar os meios de transporte para provisões de manutenção de armamentos, ferramentas e suprimentos de víveres para as suas tropas, disponibilizar abrigos bélicos e pessoais que os mantivessem a salvo de acidentes e intempéries, recompensar o exército, tratar com dignidade os prisioneiros, e acima de tudo, não adiar os confrontos para não expor seus exércitos a riscos desnecessários pela ausência de ação.

O segundo e terceiro fator estratégico compreendiam o tempo e o espaço, ou seja, o céu e a terra eram fatores determinantes na vitória. Por tempo, compreendia-se conhecer os grandes princípios yin e yang, mediante os quais todas as coisas naturais se formavam e de onde todos os elementos recebiam suas influências, as condições ambientais de frio ou calor, bonança e intempérie, bem como as estações e suas respectivas restrições. Por espaço, entendia-se o terreno físico da batalha: o alto e o baixo, o longe e o perto, o largo e o estreito, uma vez que era necessário conhecer antecipadamente as chances e as ameaças que tanto o céu como a terra representavam. Era o princípio da segurança que tinha como finalidade evitar que o inimigo se utilizasse do fator surpresa contra as tropas, reduzindo-lhes dessa forma a liberdade de ação e ataques aos pontos sensíveis do território que abrigava as forças militares.


O quarto fator a ser levado em conta tinha a ver com a maneira de como o comando era conduzido. Uma relação estreita e direta do líder com o grau de importância de suas qualidades, de seus valores éticos e morais eram fundamentais para o sucesso da ação e conquista da vitória. Virtudes como a benevolência, coragem, credibilidade, retidão, amor pelos subordinados, sinceridade e equidade, eram virtudes que produziam alta estima em seus comandados que não exitavam na batalha em busca do triunfo. O comandante que agisse corretamente dentro destes princípios seria diretamente responsável pela prosperidade do reino o qual servia. Se, porém, ao contrário, aquele que comandava não tivesse as qualidades necessárias para desempenhar seu papel com dignidade perante seu reino, estaria fadado à ruína.

A disciplina entrou como o quinto fator a ser considerado por Sun Tzu e abrangia três áreas distintas. Primeiro, ordenar e organizar os exércitos em subdivisões adequadas à graduação nas fileiras e postos entre os oficiais e o controle dos prejuízos militares. Segundo, não ignorar as leis de hierarquia e fazer com que elas fossem cumpridas com rigor. Terceiro, estar ciente dos deveres particulares de seus subordinados. Estes princípios traziam ao comandante discernimento na arte da guerra e propiciavam uma previsão certa do momento de ação, em virtude do conhecimento dos pontos fracos e fortes dos seus adversários.

Além destes fatores principais, pode-se dizer ainda que o caráter de conduzir a guerra em Sun Tzu obedeceu também a princípios de objetividade baseados no modelo oriental de guerrear. Para ele, a melhor política era a de desmontar a estratégia do inimigo, quebrar suas alianças, atacar seus exércitos e sitiar suas cidades. Todas as suas ações foram orientadas visando a conquista através de estratégias ofensivas necessárias para obter os resultados decisivos que levaram ao sucesso sua ação militar.



Tucídides

Aristocrata de nascimento, não simpatizava nem apoiava a democracia ateniense. Porém, sua participação como comandante militar nomeado pela Pólis o forçou a adotar uma postura moderada diante da democracia. Apesar de não concordar com o regime político que vigorava em Atenas, não abdicou de participar da política, ainda que a tenha praticado muito provavelmente convicto de que a participação dos aristocratas evitaria os excessos da política democrática. Temos aqui um primeiro dado sobre o pensamento político de Tucídides: a política, principalmente em uma Pólis democrática como foi a Atenas Clássica do V século a.C, deveria ser conduzida por grandes líderes originários de famílias tradicionais e, por isso, possuidores das características sociais, morais e intelectuais, necessárias para conduzir a massa popular que, de outra forma, poderia se tornar extremamente ameaçadora. Segundo Tucídides, a realização de uma política totalmente democrática em Atenas, ou seja, conduzida pela "massa" constituída pela maioria da população pobre da cidade era totalmente maléfica, destrutiva e indesejada. A restrição do direito de participação política destas massas, também aparece como um ideal político para Tucídides. Exemplo disso encontra-se no diálogo estabelecido entre os mélios e atenienses, onde fica claro a realidade da dominação imperial de Atenas e da concepção tucidiana.

Elogiado por Tucídides em diversas passagens da História, o estrategista Péricles foi o exemplo o qual Tucídides utilizou num esforço claro de traçar o mais fielmente possível a grandeza de sua política que seguiu uma linha moderada que manteve a Pólis segura e onde Atenas atingiu o seu auge político e militar. Na obra A Guerra do Peloponeso, podemos verificar uma citação acerca de Péricles que nos remete ao pensamento de Sun Tzu , em que este afirmava ser a figura do líder, o principal fator para o êxito de uma batalha "A razão do prestígio de Péricles vinha do fato de ser ele um líder, onde sua autoridade resultava da consideração de que gozava por suas qualidades de espírito, além de uma admirável integridade moral. Péricles podia conter a multidão sem lhes ameaçar a liberdade, e conduzi-la ao invés de ser conduzido por ela, pois não recorria à adulação como intuito de obter a força por meios menos dignos; ao contrário, baseado no poder que lhe dava a sua alta reputação, era capaz de enfrentar até a cólera popular". Com essa maneira peculiar de agir, Péricles sabia quando transmitir temor ao povo quando este se mostrava excessivamente confiante na batalha, e também sabia restaura-lhes a confiança quando eles eram tomados por um medo irracional, após uma derrota. O temor de um novo golpe anulava a presença de espírito e a intrepidez das tropas e Péricles sabia como devolver-lhes o ânimo com palavras de encorajamento. 

Assim como Sun Tzu, Tucídides acreditava que o equilíbrio nas relações de força deveriam obedecer a quatro princípios. O primeiro deles, segundo ele, era de que o Estado deveria ser o principal protagonista, tanto na guerra como na política em geral. O segundo princípio era o entendimento de que o Estado deveria ser o protagonista unitário e uma vez que este tomasse a decisão de entrar ou bater em retirada em uma guerra, esta seria uma fala e uma decisão única, o qual não caberia a ninguém mais o direito de subverter ou derrubar suas decisões de interesse. O terceiro, compreendia que os tomadores de decisão que agiam em nome do Estado eram protagonistas racionais que deveriam tomar suas decisões, ponderando de maneira isenta os pontos fortes e fracos das operações militares em relação às metas a serem alcançadas, tendo em mente que estas decisões não deveriam ser tomadas baseadas em desejo, oposição ou interesses pessoais, mas sim dos interesses nacionais do Estado. Por último, que a real necessidade e preocupação do Estado deveria ser com as questões relativas à segurança, aumentando suas capacidades internas, desenvolvendo a economia, estabelecendo relações com outros Estados, relações essas baseadas em interesses semelhantes, mas principalmente alinhados com os interesses internos.

Observando as histórias de Sun Tzu e Tucídides, é possível traçar uma comparação entre o pensamento estratégico e as relações de força de ambos com os seguintes argumentos: ambos estabeleceram metas e ideais semelhantes, eram conhecedores do cenário que sua época lhes apresentava, percebiam as ameaças dos opositores, procuravam eliminar fragilidades e vulnerabilidades externas, observavam o passado para conhecerem o futuro e por último, criaram um ambiente propício à realização de suas estratégias e souberam proteger-se, não somente dos inimigos externos, mas também de todos aqueles que internamente poderiam ser considerados uma ameaça ao poder instituído.






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