As imagens estão presentes nas sociedades desde o princípio da humanidade. Antes mesmo que a linguagem e a escrita estivessem desenvolvidos, as imagens já registravam acontecimentos e contavam histórias. A palavra imagem não se refere apenas a um material ou objeto físico, mas também a algo imaginário, mental, presente nas memórias, nas representações e metáforas.
A sociedade medieval à princípio, enfrentou um dilema quanto a aceitação do uso das imagens, principalmente pelo fato de que o Antigo Testamento baseado na Lei de Moisés (Êxodo, 20:4) condenava esta prática. O judaísmo e o Islã, seguidores do mandamento divino denunciavam como idólatras os que adoravam e cultuavam imagens. O cristianismo dos primeiros séculos, sob a influência da tradição platônica nutria grande desprezo ao mundo das aparências, pois segundo eles, este tipo de adoração assemelhava-se ao paganismo. O mundo cristão passava também por um período de perseguição e denúncia das imagens que segundo eles, simbolizavam a cólera de Deus sobre o seu povo onde somente o símbolo da cruz podia ser aceito.
Marcado pela resistência à representação das imagens, por volta do ano 600, o Ocidente cristão passa a reconhecer a importância das imagens e assumi-las, através da posição de Gregório Magno, que ao escrever ao bispo iconoclasta Serenus de Marselha, recriminava a destruição das imagens e alegava que as mesmas tinham função de instrução por permitir que os homens iletrados pudessem vir a compreender a história sagrada ao mesmo tempo que estas imagens contribuiriam para trazer à memória os acontecimentos marcantes do cristianismo, como a morte de Cristo e dos santos mártires que por sua vez, emocionavam o espírito, levando-os a transcender e a adorar à Deus. Sua carta também demonstrava a preocupação de conversão dos pagãos e a necessidade de defender a imagem, tornando-a legítima.
Após séculos marcados por debates e polêmicas e com as profundas mudanças da sociedade, as imagens encontraram justificação teológica e conseguiram se impor já no século XIII por novas ordens religiosas como a dos franciscanos e dominicanos. As imagens passaram da dimensão pedagógica de mediação estética entre o mundo sensível e o inteligível para a esfera do divino e objeto de culto, após o incêndio da Igreja de Santa Maria Madalena no século XII, onde segundo relatos da época, o fogo teria poupado miraculosamente uma estátua de madeira da Virgem. Não obstante, na Baixa Idade Média, houve um processo de depreciação das imagens em função do conceito escolástico que determinava que as imagens fossem tratadas, ora como um mero recurso didático, ora como um elemento empírico, sensível e didático. As imagens ficaram assim, carregadas de significados formais que indicavam simbolicamente algo que deveria incitar o pensamento.
O clero e parte da nobreza dominavam a escrita na Idade Média. A maioria da população passava suas tradições, histórias e valores às novas gerações de forma oral, o que permitiu que a imagem também passasse a ter um papel de grande importância, pois foram os primeiros indícios do vínculo criado entre os homens pela linguagem. Aparece aqui outra distinção da imagem: a de memória da própria história cristã. A Igreja passa a ter compromisso com a imagem, e esta se torna fundamental para conseguir substituir o discurso que, oral e escrito não eram suficientes para derrubar os conceitos da cultura antiga. A pintura passa a ser para os iletrados o que a Bíblia é para os letrados, ou seja, o evangelho do pobre, o qual para este, é mais fácil ver pinturas do que compreender conceitos abstratos de uma nova doutrina em que um bom esboço é preferível a um longo discurso. As imagens podiam ser literárias, como no caso de uma imagem divina, mas frequentemente elas eram iconográficas, mostrando um rei, um bispo ou um santo. Eram bidimensionais ou até tridimensionais.
Enquanto manifestação medieval de atribuição extrínseca, em primeiro lugar estava a Criação, seguido ao culto às relíquias em que um pequeno fragmento de um corpo ou um objeto considerado santo equivalia no imaginário cristão medieval à totalidade daquele corpo ou objeto, independente de quantos outros fragmentos houvesse ou onde estivessem. Da mesma forma, a hóstia permitia ao cristão transcender à totalidade de Cristo, através do pão que simbolizava o corpo de Cristo na comunhão.
A diferença entre uma imagem e um ídolo estava no fato de a primeira representar um modelo que existia, enquanto o segundo era falso por não partir de um modelo real. No Ocidente, enquanto uma representação plástica de Cristo, da Virgem ou de um santo era considerado Imago, a de uma divindade pagã era Simulacrum. Se a religiosidade popular aceitava a prática de agredir imagens de santos que não haviam cumprido bem o seu papel de intercessor, era por considerar que assim se punia, através da imagem, o próprio santo. Por influência da religiosidade judaica e por medo à idolatria, até o século XI foram raras as representações iconográficas de Deus Pai, que aparecia apenas por intermédio de Cristo. E este, até o século VII, tinha sido pouco figurado na cruz. Com o crescente cristocentrismo ocidental, o bom cristão, o homem perfeito, passou a ser visto como o reflexo da glória divina. como imago. O homem é imagem de Deus; o corpo humano é o templo de Deus. O principal resultado desse jogo de similitudes foi a compreensão de a Igreja ser o corpo de Cristo.
No quadro sociocultural da Idade Média, clérigos e leigos concordavam quanto ao fato das imagens anunciarem realidades transcendentes, recuperando eventos do passado ou antecipando os do futuro. Elas levavam o ouvinte ou o observador até o tempo e a situação narrados. Reconhecia-se, aliás, que a qualidade de um sermão ou de uma figuração plástica estava em realizar a fusão entre aqueles que recebiam tais imagens e o modelo delas. Como Deus é eternamente contemporâneo de todos os homens, uma imagem plástica Dele tornava cada homem contemporâneo de Deus. Como ele está em todas as partes, a rigor não haveria necessidade de figurá-lo em pedra, parede, madeira ou pergaminho, a não ser para colocar homem e divindade num mesmo plano de comunicação possível. A forma de sentir e de pensar da Idade Média fazia com que tudo fosse imagem de um modelo, todo modelo tivesse imagem, toda imagem pudesse funcionar como modelo.
A arte medieval ficou conhecida como uma Bíblia de pedra, ou o "evangelho dos pobres", onde os ignorantes e iletrados poderiam ver e com isso ter uma compreensão daquilo que deviam imitar. Sendo assim, as imagens adquiriram o poder de transformar o metafísico em algo real aproximando o divino antes ausente, presente por dizerem mais do que muitas palavras, tendo inclusive, mudado e transformado uma sociedade. Na nova história, as imagens ganharam importância e passaram a ser vistas como documentos que devem ser interpretados e analisados na sua totalidade objetiva e subjetiva de acordo com a sociedade da época a que elas pertenceram, levando a uma visão mais abrangente e profunda da história, em consonância com a história da arte e da estética.
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