A usura teve grande importância na história medieval e papel de destaque na vida social e religiosa, mais precisamente após o século XI. A Igreja se posicionava contra a ação dos homens ambiciosos e ávidos por lucro, condenando como pecado a prática exercida pelos usurários. Perpetuava a ideia de que para alcançar o paraíso era necessário o desapego à riqueza e ao lucro fácil. Porém, a finalidade da Igreja não era a punição aos homens apegados excessivamente ao dinheiro. Pelo contrário, a Igreja desejava convertê-los e persuadi-los que, esta prática estava cada vez mais lhes afastando de Deus. A questão da usura perpassa todo o crescimento e explosão do que conhecemos hoje como capitalismo, bem como fornece, quando vista pelo ponto correto, uma ideia do dilema que comerciantes, mercadores e usurários daquele período, que viviam de fazer negócios tinham que enfrentar. A usura era condenada por ser uma forma de obter a arrecadação de juros e não pelo lucro que uma produção poderia obter. Era uma prática proibida por ser considerada uma forma de exploração do outro que já se encontrava em uma situação difícil financeiramente. Na Idade Média, a sociedade ocidental por conta de dogmas religiosos vivia um impasse entre o terreno e o abstrato, entre a promessa do paraíso ou do inferno, onde suas almas estariam por toda a eternidade. Esse dilema impediu um maior desenvolvimento econômico, muito mais pelo medo do que pela falta de iniciativa ou desejo de crescer.
Na condição de detentora do domínio espiritual, a Igreja exercia seu poder atemorizando as populações com o medo da morte e os castigos que dela sobreviriam aos infiéis, e também com o uso do conceito de inferno, já que tais práticas geravam um sentimento de que somente pela proteção da Igreja Católica, e através do cumprimento de seus dogmas, os homens poderiam alcançar a misericórdia divina obtendo dessa maneira a salvação de suas almas, principalmente pela compra de indulgências. Se, com o poder político, a Igreja dedicava-se a práticas não tão elevadas e mais voltadas para o poder secular, era através do poder econômico que ela alimentava toda a sua estrutura de domínio e controle. É à partir desse controle que a cristandade ocidental exerce sua influência e impõe a sua vontade a todos os estratos da sociedade da época, cujo destino quase sempre estava nas suas mãos, onde a base residia sob o signo da autoridade divina que a Igreja acreditava possuir.
Antes da reforma protestante, todo o excedente econômico devia ser entregue à Igreja, que tinha a função da distribuição de benefícios aos necessitados, pois era a instituição que monopolizava a interpretação da realidade social, já que era ali que estavam os estudiosos e os eruditos. Os monges eram os únicos que sabiam ler e portanto, tinham o poder de domínio. Toda a riqueza adquirida acima do necessário para suprir as necessidades do homem deveria ir para as mãos dos clérigos que as repassava à sociedade em forma de benefícios sociais e culturais. Cabe aqui, a observação de que isso não ocorria em sua integralidade e apenas uma fração do que era arrecadado ia efetivamente para esse fim. Ao homem, só era dado desfrutar de maiores benefícios econômicos, caso realizasse algum trabalho social que pudesse colaborar com o bem-estar da sociedade, pois para a Igreja era inconcebível que este homem visasse o lucro monetário, pois seus negócios só deveriam cobrar aquilo que pudesse cobrir a sua produção. Portanto, todo o ganho lucrativo impróprio era visto como roubo, ganância, imoralidade, exploração, extorsão, onde alguns enriqueceriam às custas de outro, o que consistia falta grave diante de Deus e por esta razão, sujeita aos castigos da danação eterna.
O Cristianismo abominava a usura e neste contexto, a figura do usurário passou a ser complexa tendo em vista que a Igreja condenava a prática da riqueza mal adquirida, ou seja, a usura, que segundo eles, feriam a moralidade cristã. Para fundamentar esta posição baseavam-se em textos das Escrituras Sagradas. Diz a Bíblia (Êxodo 22:25) que: "Se emprestares dinheiro ao meu povo, ao pobre que está contigo, não te haverás com ele como credor que impões juros". E também, o Novo Testamento diz (Mateus 6:24) que: "Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas". Alguns Papas como Urbano III, Gregório IX e Alexandre III condenavam a usura.
No Concílio de Latrão (1215) a Igreja, tomando conhecimento da prática da usura, ou seja, do comércio que ganha dinheiro com dinheiro, tornou obrigatório a todos os cristãos a confissão auricular ao menos uma vez por ano, durante a Páscoa. Assim sendo, poderiam fazer distinção entre os que cometiam pecado mortal, como os usurários, considerando que estes pecadores iriam para o inferno, sem perdão, caso não se arrependessem; e os pecadores com pecados veniais que passariam um tempo mais ou menos longo em expiação num lugar novo: O Purgatório.
Em 1311-1312, Clemente V, no Concílio de Viena condenava como herege aquele que fizesse uso dos juros nos empréstimos financeiros. Esta prática, entretanto, era tolerada aos judeus que por não serem considerados cristãos, ficavam livres para a prática de empréstimos dentro e fora de suas comunidades. Ao judeu era proibido possuir terras e propriedades, o que foi determinante para que viessem a se concentrar nos setores secundários da economia medieval como o comércio e as atividades financeiras, ou usura. O crescimento dessa atividade possibilitou a ascensão de uma elite composta de judeus ricos, comerciantes e usurários, o qual príncipes e burgueses passaram a recorrer em busca de financiamento para seus projetos, onde a condição para obter os empréstimos era o pagamento de juros. Os judeus embora tolerados pela sociedade, eram discriminados e postos em pé de igualdade com ladrões e prostitutas.
A economia feudal era muito fechada e restrita. Não havia moedas e havia pouca sobra de alimentos que pudessem ser trocados por outros tipos de alimentos. Com o aparecimento dos burgos, pessoas que se especializaram em atividades comerciais, compravam dos camponeses sua produção e revendiam para outros camponeses, obtendo lucro com a prática da intermediação. Dessa prática, resultou uma nova sociedade estratificada que subsistia da terra e era formada de pequenos mercadores que viviam de cidade em cidade comercializando seus produtos e serviços em atividades autônomas. Essa nova burguesia sem origem social era composta de excluídos das terras senhoriais que viram na prática mercantil a oportunidade de ascensão social. Ainda que para a Igreja esse novo burguês fosse um reles atravessador marginalizado, abominável e vindo do inferno, esse cenário começou a mudar quando esses novos burgueses romperam com as regras da sociedade agrária e passaram a comercializar bens imóveis que possibilitou a circulação de riquezas, através das trocas econômicas, promovendo a mobilidade de produtos que como consequência, trouxe de volta a moeda que passou a circular por toda a Europa, criando assim o mercado, onde através da mudança na economia, trouxe também mudanças no perfil do burguês mercador que ao acumular riquezas, passou a ser procurado por comerciantes, nobres e artesãos que vinham recorrer a empréstimos, onde seria cobrado uma taxa de juros. Atividades de sentido estritamente urbano se beneficiaram desse novo comércio, cuja a finalidade era gerar lucro.
Surgiu desse modo, o embrião do capitalismo, de início modesto caracterizado por grandes somas individuais destes usurários, comerciantes que à partir do século XIII passou a ser também composto de homens cristãos e não só de judeus, mas que até então não tinham ido além dos primeiros passos do capitalismo pela condenação da Igreja e pelo medo do inferno que só foi vencido inicialmente pela esperança de escapar do castigo, através do purgatório. Com essa mudança de mentalidade, passou a ser considerado justo que o credor recebesse parte dos lucros. Mais tarde, no século XV surgiram as primeiras tabelas limitando os valores cobrados pelos empréstimos, fazendo com que começasse a ser definida a diferença entre o que era juro e o que era usura. Juro era o valor cobrado dentro dos valores estabelecidos e usura era tudo o que ultrapassasse esse limite. Mais adiante com o advento do protestantismo à partir do século XVI, o trabalho passou a ser visto como uma providência divina, um modo de glorificar à Deus e não mais como um pecado, mas como algo que enobrece e dignifica o homem diante do Criador e que enxergava na produção do trabalho um mandamento para que todos trabalhassem para a glória de Deus, onde a finalidade da existência humana estava interligada com os propósitos divinos e a prosperidade era sinal de bênção. Assim, o acúmulo de excedentes que geraram capital marcou o início da gênese, da concepção do capitalismo moderno.
O capitalismo se desenvolveu entre as populações protestantes em virtude de um afrouxamento da doutrina e da ética reformada que deram uma importante contribuição que impulsionou a economia ocidental moderna. Nas civilizações passadas o acúmulo de bens jamais havia sido considerado como finalidade de vida, pois a posse de terras já era em si mesma, título de nobreza. Aos demais e em especial aos usurários judeus era admitido somente a aquisição de bens móveis. A posse de terras por parte deste grupo específico era proibido e o conceito romano de propriedade ainda não existia. Porém foi à partir da segunda metade do século XX que o capitalismo tomou corpo e passou a ser um fenômeno o qual todas as nações do mundo em maior ou menor escala, foram incluídas passando a fazer parte de uma civilização capitalista. Civilização essa que representou o papel de maior importância no processo de transformação global da vida na sociedade contemporânea. Antes desse período, mais precisamente no século XVIII o capitalismo ainda era considerado puro e simplesmente como um sistema econômico que deveria ser analisado. A economia não passava de um pequeno ramo da filosofia social e somente à partir de 1776 com a publicação de "A Riqueza das Nações" de Adam Smith é que a economia passou à condição de ciência ao estabelecer as bases científicas da teoria econômica moderna, onde para Adam Smith o elemento essencial da riqueza era o trabalho produtivo. Outras correntes do pensamento econômico surgiram à partir da segunda metade do século XX com novas teorias sobre o crescimento econômico, apontando que trabalho e capital não são os únicos fatores de crescimento, dando destaque ao capital humano e às novas tecnologias para o aumento da produtividade e dos rendimentos. Com a globalização, o capitalismo soube organizar-se com eficácia como elemento de transformação social, aumentando a interação entre países e o comércio mundial. exercendo dentro da história e da economia, um papel revolucionário, através do poder econômico capitalista.
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